EROTISMO X PORNOGRAFIA
Recentemente recebi algumas perguntas de uma revista para uma matéria sobre erotismo e pornografia.
Transcrevo aqui as perguntas e respostas, pois acho que é um assunto que interessa aos leitores do blog.
1) Do ponto de vista da psicologia, o que é a
pornografia?
Inicialmente
falemos de erotismo, que é relativo a formas, a maneiras de estimular o impulso
sexual, e consequentemente a paixão, a volúpia, o êxtase sexual. Esses
estímulos podem vir de expressões culturais e artísticas que enfatizam a
sensualidade, o amor sensual, o relacionamento sexual propriamente dito.
A
pornografia é um tipo particular de erotismo, em que se utilizam recursos tais
como fotografias, textos, filmes, objetos, cenas eróticas, com o objetivo de
despertar o desejo sexual e estimular fantasias no público que acessa esses
conteúdos.
Para
mim a principal diferença entre erotismo e pornografia é a qualidade do
conteúdo exposto, seu refinamento ou sua vulgaridade, seu bom gosto ou sua banalização,
o que se esconde e o que se mostra.
O
termo “pornografia” adquiriu um caráter pejorativo, porém nem toda pornografia
é de má qualidade: existem textos e poemas eróticos clássicos que abordam a
pornografia (ver Sonetos Luxuriosos de Aretino), literatura moderna (Henry
Miller, Anais Nin), autores brasileiros (Jorge Amado), assim como excelentes filmes com diretores
premiados e elenco estelar que podem ser considerados pornográficos (Laranja
Mecânica, Império dos Sentidos, e mais recentemente, Desejo e Perigo).
2) Qual é a diferença entre pornografia e sexo?
Sexualidade
não é só sexo: ela tem a ver com desejo, busca de prazer inerente a todo ser
humano. É uma forma de expressão, comunicação e afeto que ocorre a cada
momento,
em cada gesto, atitude e comportamento.
São experiências que amadurecem e enriquecem, preparando-nos para o encontro
com o outro, para a intimidade e o vinculo afetivo. O ato sexual, o coito, é o
ponto culminante desse encontro amoroso. É uma experiência que envolve prazer e
dor, fantasia e risco, sedução e perda.
Há uma frase da qual eu gosto
muito: o amor não é para os fracos.
Já a pornografia, em termos
atuais, se refere a cenas ou objetos obscenos que expõe atitudes sexuais
diversas visando promover excitação sexual em um determinado público que acessa
esses conteúdos. Volto a dizer que o termo pornografia adquiriu um significado
pejorativo, porém pode ser sinônimo de erotismo, quando tratado com melhores
qualidades estéticas.
3)
Há alguns anos,
para se ter acesso a qualquer conteúdo pornográfico, era preciso encarar, no
mínimo, o funcionário da locadora e os clientes que estivessem presentes; ou o
cara da banca, no caso das revistas. Hoje, ela está a um click de distância,
sem obstáculo algum e sem a necessidade de encarar nenhum constrangimento. Essa
livre acessibilidade está levando, inclusive, alguns homens a sofrerem de disfunções
eréteis durante suas relações (conforme mostra esse estudo: http://f5.folha.uol.com.br/estranho/956252-ver-pornografia-na-internet-causa-disfuncao-eretil-diz-estudo.shtml).
O que isso tudo significa, na sua opinião?
Creio
que o excesso é sempre prejudicial, em tudo na vida, inclusive no acesso
irrestrito e ilimitado à pornografia. Tenho várias pacientes que se queixam de
que seus parceiros ficam muito tempo acessando sites pornográficos. Elas
percebem uma demanda da parte deles de posturas sexuais semelhantes às das
mulheres das histórias virtuais, como o desejo constante, a boa aceitação do
sexo anal, etc. Outro aspecto a ser considerado é que o homem dessas aventuras
virtuais nunca tem disfunção erétil, está sempre excitado e com uma ereção
vigorosa.
O
mundo virtual funciona como uma tela de projeção para as fantasias sexuais de
cada indivíduo. Nesse mundo cada um vive sua sexualidade da maneira que quer,
sem interferências externas, sem julgamentos, sem moralismos, sem falhas, sem
disfunções, sem rejeições. É um mundo praticamente perfeito, porém lhe falta
vida, troca, sensualidade (calor, tato, olfato, pulsação). Você não corre
riscos, mas também fica sem os melhores prêmios.
Acostumados
que ficam a essa sexualidade estéril, quando os indivíduos se lançam a
relacionamentos reais, é evidente que a insegurança acaba ficando muito mais
intensa, gerando ansiedade, o que é devastador para a performance sexual.
4)
Além dessa
questão, levantada por esta pesquisa, que impacto essa presença maçante da
pornografia pode ter nas relações afetivas e sexuais reais?
Completando
o que anteriormente foi dito: a experiência com a sexualidade virtual é
imprecisa e tendenciosa. Volto a dizer que se trata de uma sexualidade sem
intimidade, sem sedução, onde as pessoas não têm história, apenas se encontram
para transar.
Com
essa imagem viciada, um homem pode supor que as mulheres estão sempre dispostas
a sexo, não necessitam de estímulos preliminares, adoram sexo anal, etc. As
mulheres também podem crer que os homens estão sempre com sua máxima ereção e
nunca falham.
Essas
situações são interessantes, porém creio que o aspecto mais importante é que,
através da pornografia, a maior parte dos adolescentes entra em contato com os
primeiros conteúdos sexuais explícitos. O material pornográfico acaba sendo a
verdadeira educação sexual na puberdade.
Isso
não é um fenômeno dos nossos tempos, ocorre há muito tempo; o que mudou é a
facilidade de acesso a esses conteúdos.
A
pornografia, quando bem utilizada, pode ser um incremento à vida sexual dos
casais, trazendo novas fantasias, novas idéias que podem colocar um tempero
novo nos relacionamentos.
Na
adolescência é praticamente impossível impedir o acesso dos jovens a esses
conteúdos. Espaços de discussão onde se possa falar sobre sexualidade e pornografia
com os adolescentes, com uma linguagem clara e educativa, pode ser extremamente
saudável para eles.
5)
O mais
interessante é que a pornografia seja tão procurada, justamente em uma época na
qual vivenciamos tamanha liberdade sexual (ao menos, teoricamente). Como você
explicaria isso?
Os excluídos continuam
excluídos, a diferença é que hoje em dia, após a Revolução Sexual, mesmo as
pessoas prejudicadas social, financeira ou culturalmente tem o seu lugar no
mundo e buscam amor e prazer. A exclusão não é mais apenas social ou
financeira: ela é individual. Basta desejar para correr o risco de ser
rejeitado e sofrer.
Para que haja um contato sexual que envolva
realização, amor, paixão, é necessário se expor, enfrentar desafios. Com o uso da pornografia
é possível um prazer solitário e seguro, porém estéril, fácil. Tal como uma
droga que vicia e da qual se necessita doses maiores e mais freqüentes, o desejo
e o prazer proporcionados pela pornografia isolada se esgotam rapidamente, tornando
necessários estímulos cada vez mais intensos e agressivos, até mesmo violentos.
6)
Por que, do ponto
de vista da psicologia, a pornografia exerce tamanho fascínio? O que ela
representa?
Com
a pornografia o indivíduo entra em contato com seus desejos e fantasias sexuais
mais primitivos, que provavelmente jamais teria coragem de por em prática na
vida real, porém com privacidade, sem auto-exposição, sem risco de falhas nem
de rejeição.
7)
Ao mesmo tempo,
ela causa repulsa em muitas pessoas. Por que isso acontece?
Em
parte pela educação moralista, pelos preceitos religiosos, que regiam a
sociedade e a cultura ocidental até a Revolução Sexual dos anos 60/70, mas que
estão muito presentes ainda nos dias de hoje.
Outro
aspecto a ser considerado é que a repulsa pode ser um processo inconsciente de
reprimir o desejo muito intenso por uma sexualidade mais instintiva: se o meu
desejo me atemoriza, em lugar de experimentá-lo, vou lutar contra ele e tentar
destruí-lo.
8)
Com relação à
campanha “Faça amor, não faça pornô”, você concorda com as questões levantadas?
A pornografia retrata, de fato, o que os homens e as mulheres “gostam”, o que
os levam ao prazer?
Achei
a campanha extremamente interessante porque aborda, com bom humor, questões
constrangedoras que a maioria das mulheres experimenta no relacionamento sexual,
mas não sabe como abordar com o seu parceiro.
Vamos
usar como exemplo os filmes pornográficos: não há praticamente história, só um
homem excitado e uma mulher que já está ardendo de tesão, sempre no cio, sempre
pronta. Não há envolvimento sentimental, não há indivíduos com nomes, apenas um
macho e uma fêmea prestes a saciarem seu intenso sexual. Quase não há palavras,
nem carícias, nem preliminares, só genitais, peitos e bundas à mostra, e todas
as formas de penetração possíveis ocorrem em questão de minutos, com direito à
ejaculação no rosto da mulher como “gran finale”.
Ora,
essa é a fantasia, a idealização masculina clássica para um ato sexual
perfeito: uma mulher desconhecida, loucamente excitada, sem envolvimento
sentimental, sem necessidade de sedução, e o foco é todo na genitalidade, no
coito, no ato sexual como finalidade única, e em todas as suas variáveis – uma
verdadeira maratona sexual.
É
claro que as mulheres gostam de sexo, do ato sexual em si e de suas variantes,
porém a maneira como as obras pornográficas retratam isso é fruto do ideário
masculino. As mulheres idealizam um processo de sedução, de conquista; gostam
de toque de pele, sussurros, olhares furtivos, odores, texturas, temperaturas,
beijos, carícias, palavras sensuais, abraços, olho no olho e corpo com corpo:
não apenas o genital no genital.
9) Ela parece ser totalmente voltada para deleite dos
homens. É isso mesmo? Ainda assim, ela pode, de alguma forma, ter um efeito
positivo nos relacionamentos amorosos? Como?
A maior platéia para a
pornografia é essencialmente masculina. Todo o comércio que existe em torno da
pornografia, que movimenta muito dinheiro, visa basicamente a satisfação e o
deleite sexual masculinos. Apesar da Revolução Sexual ainda temos um domínio de
patriarcado em grande parte do mundo ocidental, e o poder econômico ainda se
concentra em mãos masculinas.
Além disso, os estímulos
sexuais visuais (revistas, vídeos, internet) atingem mais o sexo masculino. A
mulher é mais olfativa, auditiva, tátil. O estímulo visual também atinge as
mulheres, porém na maior parte das vezes precisa ser associado a alguma
fantasia (uma história, um romance) para provocar mais desejo.
A nudez, a exposição dos
genitais, a exibição de cenas de penetração explícita, exerce maior fascínio no
gênero masculino, e é isso o que aparece com mais freqüência no material
pornográfico encontrado na indústria de entretenimento.
10)
Existe uma
cineasta feminista, a sueca Erika Lust, que produz filmes pornográficos com uma
atmosfera mais real e, também, sentimental – sem deixar de ser superpicante. Retratando
relações mais carinhosas entre os personagens, em situações que, de fato,
poderiam ser prazerosas para a maioria das mulheres (e dos homens também,
claro). Você acredita que a pornografia precisa se adaptar melhor realidade?
Creio
que essas variações em torno da pornografia, com um olhar feminino, podem ser
muito interessantes, não apenas para as mulheres, mas para os homens e para os
casais. Estimular fantasias nunca vai deixar de ser um terreno fértil para a
sexualidade humana. Se isso puder ser feito com qualidade, bom gosto e
preocupação com a estética, tanto melhor.
11)
Será que ela pode
continuar sendo tão atraente aos homens se estiver mais próxima de representar,
sexualmente, o que também interessa à maioria das mulheres?
Sim,
em primeiro lugar mostrando aos homens formas picantes de agradar sexualmente
suas mulheres (em práticas testadas e aprovadas por elas). Além disso, se a
mulher se identifica com o que vê na tela ou na revista, sua excitação deverá
aumentar, e isso só pode ser benéfico para a relação sexual do casal. E por
último, nada melhor do que curtir a dois um material pornográfico que estimule
tanto o homem quanto a mulher.
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